Os 80 anos do velho conterrâneo de guerra Vladimir Carvalho estão sendo comemorados com a abertura de mostra no CCBB até o dia 11 de maio. Imperdível mesmo até para quem já tenha visto a maioria de seus filmes e, mesmo assim, como suas saborosas histórias que ele conta, são muitos. Eu mesmo quero ver alguns curtas-metragens realizados pelo mestre que nem sabia que existiam. Vladimir Carvalho é assim, uma árvore frondosa de raízes inesgotáveis.
E como foi dito ontem no debate realizado após a sessão dos filmes Vestibular 70 e Brasília segundo Feldman, é importante revisitar a carreira desse grande realizador porque ele foi um dos pioneiros em Brasília. Pioneiro que aqui veio, gostou e ficou. Isso foi há mais de 40 anos atrás, quando foi convidado a implantar um núcleo de documentário na UnB e nunca mais foi embora. Sorte nossa.
“Acabei me perdendo aqui e nunca mais fui embora”, conta. “Minha relação com a cidade é de amor e ódio”, diz, sem medo de recorrer ao clichê.
Sorte nossa porque Vladimir fez escola em Brasília. Hoje muitos que começaram a fazer cinema na cidade hoje são cineastas ou professores de cinema. Sim, porque além de cineasta, um dos grandes, Vladimir foi professor, daí o título mais do que merecido de mestre. Gente como o professor Mauro Giuntini e o cineasta Iberê Carvalho começaram com ele.
Homem de sertão, aos 8 anos Vladimir deixou sua cidade Itabaiana para viver em Recife. “Aquilo era um mundo”, recorda com olhos marejados.
Lá, amalgamou influências literárias, musicais e cinematográficas a partir de marcantes experiências culturais que vivenciou. Até teatro fez. E isso eu não sabia e isso é que é gostoso em Vladimir Carvalho. A cada encontro, a cada conversa, uma novidade.
Apesar de tudo, Vladimir nunca abandou o homem do sertão que existe dentro de si até hoje. E é esse homem do sertão, meio homem, meio cavalo, um autêntico centauro do cinema, que vemos em seus filmes. Ele pode falar sobre o escritor José Lins Rêgo – uma de suas obsessões, por sinal -, sobre o massacre de operários e professores durante o regime militar, sobre o rock de Brasília, enfim, lá estará sempre o homem do sertão.
“É algo que está no meu sangue”, comenta.
Há muito o que apreender com Vladimir. Tanto do ponto de vista do cinema, quando do ponto de vista do homem, do humano. É um sujeito de uma generosidade ímpar, singular, diria que comovente. E a humildade do velho companheiro de guerra Vladimir é sincera, justa. Escrevo isso com olhos marejados.
Já o homem-cinema, parafraseando Euclides da Cunha, o que posso dizer é que Vladimir Carvalho é antes de tudo um forte. Começou a fazer cinema com uma câmera Super 8, revelando filmes em 16 mm, e hoje se vira e muito bem fazendo seus projetos em digital, embora, claro, ainda ache que a película é a melhor forma de se fazer e ver um filme.
Filmes. E quais filmes do velho Vladimir posso recomendar aqui? Todos, ora bolas!! Inclusive o que eu não vi. Sobretudo os trabalhos seminais como Romeiros da guia (1962), Incelência para um trem de ferro (1972), e Itinerário de Niemeyer (1973).
Com curadoria de Sérgio Moriconi, a mostra Vladimir Carvalho Doc 8.0 apresenta ainda aqueles projetos em que o diretor participou e que se confunde com a história do cinema nacional como a guerrilheira fita, Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho, Opinião pública, de Arnaldo Jabor e Um olhar solidário, realização do irmão Walter Carvalho.
E falando do diretor de fotografia Walter Carvalho, certa vez este disse que é o que é hoje graças ao irmão Valter Carvalho, que um dia lhe apresentou Bob Dylan e João Cabral de Melo Neto. O cinema de Vladimir Carvalho é isso. Um pouco Dylan e um pouco a poesia cortante de João Cabral de Melo Neto.
* Este texto foi escrito ao som de: Empire (Kasabian – 2006)