Brooklyn (2015)

Brooklyn

Com roteiro do consagrado escritor britânico Nick Hornby, filme irlandês indicado a três Oscars, encanta pela bela  e comovente história de amor

Não precisa ser muito sensível para notar que o drama Brooklyn, de John Crowley, é marcado por cores vibrantes, com predominância do verde e do laranja, as estampas da bandeira da Irlanda. O que quer dizer muito, já que conta a história dos imigrantes desse país que muito fizeram pela América. Só que pela ótica do amor. E que história de amor. Daquelas que eu pensei que não pudesse ser vista nos dias de hoje no cinema.

Narra a trajetória da jovem Ellie (Saoirse Ronan), a caçula de uma típica família da Irlanda que tem a proteção da irmã mais velha Rose (Fiona Glascott), que quer uma vida melhor para sua protegida, longe da mesquinhez e falta de perspectiva do lugar de onde vieram. Por isso, conseguiu um passaporte para ela tentar a sorte em Nova York, terra das oportunidades.

Lá chegando, ela vai morar numa pensão no bairro do Brooklyn, um lugar com tanto irlandês que ela chega a pensar que não saiu do bairro onde cresceu. Mas logo a triste realidade lhe bafeja na cara e ela começa a sentir saudades e o peso da solidão. O que a faz cair nos braços de um italiano encanador romântico e meio grosseirão (Emory Cohen), mas super gente boa, com uma família que é uma gracinha. A ponto da gente perceber de onde teria saído figuras como Sinatra e Martin Scorsese.

Só que uma tragédia familiar faz com que Ellie volte para casa e, ao entrar em contato com suas raízes, novamente, ela vacila quanto ao desejo de regressar à América. Caberá ao seu coração balizar racionalmente o futuro, pesando na balança, as agruras e oportunidades que o presente e o passado têm lhe oferecido.

Com roteiro escrito com sensibilidade única pelo escritor britânico Nick Hornby – autor de sucessos como Alta Fidelidade –, Brooklyn, indicado a três Oscars, inclusive de roteiro adaptado, melhor atriz para a lindíssima Saoirse Ronan e melhor filme, agrega vários valores a seu favor.

Um deles é o estupendo elenco formado por rostos desconhecidos e talentosos. A protagonista Saoirse, por exemplo, tem mostrado que é bem mais do que um lindo rosto cheio de sardas e belos olhos esverdeados. Já os atores coadjuvantes dão personalidade própria à trama. Outro ponto positivo é a maturidade na abordagem de temas universais fáceis de cair no clichê ou sentimentalismo barato, como as diabruras do amor e questões como apego às raízes e solidão.

Mas nada se iguala a beleza visual da fita com sua fotografia solar e direção de arte estilosa que realça com charme os belos figurinos femininos. O que um vestido não faz por uma boa trama…

* Este texto foi escrito ao som de: All That You Can’t Leave Behind (U2 – 2000)

U2 Behind

Esqueceram de mim (1990)

Home-alone

Macaulay Culkin na época em que era apenas um garotinho fofinho abandonado pelos pais numa mansão prestes a ser assaltada por dois bandidos atrapalhados

O que Macaulay Culkin e Ferris Bueller – o antológico personagem do clássico “Curtindo a Vida Adoidado” -, têm em comum? John Hughes. Mas quem é John Hughes, afinal? Simplesmente um dos mais bem sucedidos cineastas e roteiristas dos anos 80. Se você não sabia disso então perdeu o bonde passando. Quer ver?

Bem, você pode não ter se dado conta, mas quando era pequeno e andava de pé no chão e short puído por aí, assistiu na Sessão da Tarde a muitos trabalhos do cara, sucessos juvenis como Gatinhas e Gatões (1984), A Mulher Nota 1000 (1985), A Garota de Rosa Shocking (1986), e claro, Curtindo a Vida Adoidado (1986).

Pois bem, poucos sabem, mas Hughes foi também roteirista de um dos maiores sucessos dos anos 90, a comédia, Esqueceram de Mim, estrelado pelo astro-mirim, Macaulay Culkin, na época, bem longe ser a grande estrela das telonas em sua faixa-etária.

O filme, que estreou como azarão nos cinemas, se mostrou um sucesso instantâneo fazendo quase U$$ 300 milhões de dólares nas bilheterias em menos de um ano em cartaz. Na trama, Kevin (Culkin) é um caçula rebelde que não se entende com os pais e os irmãos mais velho. A família inteira está de malas prontas para Paris, onde passarão as férias, mas na correria, veja só, esquecem o guri.

Desesperada, a mãe (Catherine Anne O’Hara), que se dá conta do ocorrido em pleno voo, tenta desesperada, em pleno Natal, conseguir uma passagem de volta e reencontrar o filho abandonado. Até lá ele vai se meter em divertidas cenas de ação ao defender a casa contra dois bandidos atrapalhados vividos por Joe Pesci e Daniel Stern.

Leve e despretensioso, o sucesso do filme se deve ao carisma moleque de Macaulay Culkin, mas também ao roteiro simples e bem bolado de John Hughes, que consegue unir numa mesma aventura doméstica humor faceiro, situações cômicas envolventes e certo humanismo pop.

Ah, sim, a direção do filme é de um tal de Chris Columbus, que fez bastante sucesso atrás das câmeras com Uma Babá Quase Perfeita (1993) e os primeiros filmes da saga Harry Potter.

* Este texto foi escrito ao som de: Rio (Duran Duran – 1982)

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Spotlight – Segredos revelados (2015)

Spotlight

Tenho o palpite de que esse drama contundente sobre os bastidores da imprensa vai levar os principais prêmios do Oscar. Personagem ousado de Mark Ruffalo é contagiante…

Não é por nada, não. Mas acho que Spotlight ­– Segredos Revelados vai abiscoitar os Oscars de Melhor Filme e Diretor. Ou pelo menos um dos dois. É um palpite apenas, mas tudo conspira a favor. Enfim, a força das atuações, o impacto sentimental causado no público a reboque de temática contundente e polêmica. Essas coisas.

De qualquer forma, o jornalismo, os bastidores da imprensa, já renderam bons filmes ao cinema. Dois, pelos menos, são verdadeiras obras-primas. E se você ainda não os assistiu, então com certeza escolheu a profissão errada. São eles: A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Todos os Homens do Presidente (1976). O genial Billy Wilder dirigiu o primeiro. Alan J. Pakula o segundo.

Spotlight – Segredos revelados, em cartaz na cidade, vem somar ao time. Na trama, as investigações de um grupo de repórteres de Boston sobre os casos de pedofilia na Igreja Católica, no início dos anos 2000. É a história real de Walter Robinson (Michael Keaton) e sua equipe guerreira e vencedora do Premio Pulitzer.

E de uma maneira bem realista e humana é mostrado no filme o árduo trabalho da imprensa séria diante das mazelas da sociedade. Está tudo lá, o esforço e a sensibilidade para se conseguir uma boa matéria, a dificuldade de conquistar a confiança da fonte, as manhas de se burlar o poder paralelo daqueles que não querem que a verdade vem à tona.

Ousado, corajoso e cheio de tesão pelo que faz, o personagem de Mark Ruffalo é contagiante. Sem medo de enfrentar os poderosos e, disposto a correr qualquer risco, ele representa um sopro de esperança em meio a falta de moral e caráter na profissão. Conheço uma garota que é dona do meu coração que é desse jeito.

* Este texto foi escrito ao som de: Amnesiac (Radiohead – 2001)

Radiohead-Amnesiac-2001

 

Amor e desamor (1966)

Amor e desamor

Leonardo Villar e Betty Faria se entregam ao amor entre quatro paredes numa mansão do Lago Sul

O cineasta carioca Gerson Tavares tem mais em comum com a capital brasileira do que possa imaginar muitos entendidos do assunto. Sua relação com a cidade começou em 1959 quando, a pedido do governo federal, dirigiu o curta-metragem, Brasília, capital do século. Ali, por mais de 10 minutos, sintetiza as contradições do futuro e passado de uma cidade, à sombra do movimento modernista e do sentimento desenvolvimentista do presidente JK.

Mas com o drama existencialista, Amor e desamor (1966), sua estreia no gênero ficção, essa ligação se intensifica no que ela tem de melhor e pior, a partir da relação conturbada de um casal vivido por Leonardo Villar e Leina Krespi. Ele, arquiteto e professor universitário que acabou de deixar a UnB. Ela, uma mulher casada afim de uma aventura amorosa casual. Ambos com os sentimentos e emoções norteados por suas impressões pessoais da cidade.

“Você não se libertou dos números cabalísticos de Brasília, das siglas”, brinca ela, irônica, ao que ele devolve. “Conheço todos os bares de Brasília, mas não gosto de nenhum”, amarga.

Para quem é da cidade ou nutre um amor incondicional por Brasília, vai vibrar ao ver a nova capital ainda uma criança engatinhando no horizonte do planalto central. A imponente Catedral Metropolitana, com seus traços diferentes, por exemplo, é apenas um esboço na paisagem, mas lugares como o saguão do mítico Hotel Nacional, o Congresso, a Concha Acústica, a Esplanada e Eixo Rodoviário estão presentes em sua totalidade e interferem, de forma estática e silenciosa, na rotina dos personagens.

“Aqui só tem concreto e vidro. Lugar de gente chata”, desabafa Alberto, personagem de Leonardo Villar.

Apesar de seis anos de distância, a referência maior aqui é A Noite, de Michelangelo Antonioni. Ou seja, assim como os personagens da obra-prima do diretor italiano, em Amor e Desamor eles aparecem deslocados, amargurados existencialmente e em busca da felicidade a partir de uma mudança radical não apenas física, mas interior.

Ousado para época, esbanjando sensualidade nas entrelinhas e cheio de malícia nos costumes e comportamento, o filme esboça, meio que inconscientemente, certo olhar preconceituoso para a nova cidade que estava nascendo no coração do Brasil, verbalizando os pensamentos e ideais da época. Ainda bem que o tempo iria fazer justiça à cidade.

* Este texto foi escrito ao som de: Zuma (Neil Young – 1975)

Zuma