A novela era Mulheres de areia. A personagem rebelde e mimada era vivida pela exuberante Viviane Pasmanter que, sempre que aprontava alguma para cima do pai esnobe e arrogante – o saudoso Raul Cortêz – tinha suas estripulias embaladas pela visceral Ovelha negra, sucesso de Rita Lee do disco, Fruto proibido (1975). Foi quando percebi que a ruivinha sardenta tinha vida própria fora dos Mutantes, a maior banda de rock do Brasil e uma das melhores do planeta, os integrantes do Belle & Sebastian que o digam.
Embora aposentada dos palcos desde janeiro, aos 64 anos, essa filha de pais filhos de gringos que quase virou freira se tivesse ido pela cabeça da mãe carola, não parou de criar e a prova disso está no disco Reza, lançado este mês pelo selo Biscoito Fino. A faixa-título pode ser conferida na novela Avenida Brasil.
Desbocada, irreverente e alto astral, Rita Lee, nossa Mick Jagger de saia, será para sempre a grande rainha do rock, um título que começou a ser forjado nos distantes anos 60, quando, ao lado dos irmãos, Arnaldo e Sérgio Baptista, revolucionou a MPB junto com a tropicália de Chico e Gilberto Gil.
“Era um período em que estávamos aprendendo o Brasil”, disse numa entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, lembrando-se daqueles efervescentes tempos.
Após um casamento de mentira, de deboche mesmo, como ela gosta de sustentar, com Arnaldo, dos Mutantes, relacionamento regado a drogas e loucuras, partiu para uma carreira solo de sucesso apoiada pelo novo amor de sua vida até então, o hoje maridão Roberto Carvalho, aquele tipo de artista brilhante que sabe viver discretamente à sombra de uma estrela maior, no caso, sua mulher. “O astral do papel não gosto, não”, disse certa vez à charmosa Marília Gabriela, referindo-se ao relacionamento aberto que tem até hoje com o guitarrista.
Uma das marcas registradas da personalidade de Rita Lee é o humor debochado, irônico recheado de um vocabulário inusitado e expressões do balacobaco. Um exemplo está nas rimas de Amor & sexo, escrita em parceria com o maridão e o cerebral Arnaldo Jabor. “O amor nos torna patéticos/Sexo é uma selva de epiléticos”, canta.
De modo que o chargista Ângeli não precisou ir muito longe para buscar inspiração na hora de criar a desbocada personagem Rê Bordosa, pinçada da juventude da artista, que teve sérios problemas com drogas e bebidas. Anos mais tarde, com muito bom humor, ela emprestou a voz à personagem no longa de animação, Wood & Stock: Sexo, orégano e rock ‘n’ roll.
E é com esse jeitão bem paulistano de ser e ver as coisas, encarar a vida que ela segue em frente sem medo de ser feliz e dizer o que pensa. Antenada, fez do twitter poderosa ferramenta de comunicação com seu público e àqueles que são refém do mundo virtual. Para tanto, tem como defesa algumas personas que criou. “Quando eu não sei dizer não o personagem sabe dizer”, admitiu certa vez. “Para mim, a Rita Lee é um dos personagens”, confessou.
Foi com a Rita Lee que aprendi um troço gostoso quando pego o meu violão que é tocar no banheiro, o melhor lugar da casa para isso. “Tem uma acústica fantástica, já notaram?”, observou toda faceira. “A coisa que mais gosto é fazer música”, confessou.
Ainda bem, para nossa sorte.
* Este texto foi escrito ao som de: Fruto proibido (Rita Lee – 1975)