Bem, Erasmo Carlos não apareceu por lá, mas uma festa de arromba marcou a inauguração do complexo Espaço Itaú de Cinema, ontem (29), no CasaPark. O evento foi prestigiado por toda a classe cultural da cidade. Substituindo o antigo projeto Embracine, o novo point cinematográfico de Brasília promete agradar a gregos e troianos, com uma programação de luxo que irá contar com produções super comerciais, filmes de arte e obras de países que mal sabemos existir no Mapa Mundi.
Uma pitada do que vem ser a programação do espaço, foi a exibição, ontem, para convidados, de três filmes bacanas que vão entrar em cartaz, no circuito do Espaço Itaú de Cinema, a partir do dia 09 de dezembro: Um conto chinês, O garoto da bicicleta e Minhas tardes com Margeritte. Desde já, um belo presente de Natal para os cinéfilos brasilienses.
Eu passei por lá só para conferir o filme argentino Um conto chinês, protagonizado pelo meu ídolo Ricardo Darín, o homem mais charmoso das bandas de cá. De uma simplicidade incômoda, a película, dirigida por Sebastián Borensztein, se apropria de enredo absurdo para falar das coisas simples da vida, como a amizade e a intolerância diante do diferente.
A história, por mais insólita que possa parecer aos espectadores, aconteceu de verdade na Rússia. Após passar por trágica situação em sua terra natal, a China, Jun (Huang Sheng Huang), parte em busca de um parente distante que vive na Argentina. As coisas dão erradas no meio do caminho e de repente ele se vê sozinho num país onde não conhece ninguém e mal sabe dizer oi na língua local. O seja, o China está em maus lençóis.
Mas não por completo, já que ele cai nas graças do rabugento, eremita, mas sensível e bondoso Roberto De Cesare (Ricardo Darín), ex-combatente da Guerra das Malvinas, agora dono de uma loja de ferramentas que fez da solidão e do mau-humor, seu estilo de vida. “Uma merda”, responde, toda vez que alguém pergunta como ele está.
E ele quem socorre o chinês perdido em Buenos Aires até o infeliz encontrar seus parentes na grande cidade sul-americana. Claro, faz isso contrariado, por não ter alternativa, por ter o coração de manteiga por baixo daquela carranca de pedra que ele vê todos os dias no espelho. “Não estou acostumado a ter companhia”, confessa diante do seu problema.
Como todo filme argentino que se preze, Um conto chinês encanta pela forma singela como desenvolve grandes temas, no caso aqui, o da amizade, mas adornado por pequenos elementos da vida como a grande dificuldade que temos de lidar com o que é diferente, com aquilo que não faz parte do nosso meio, da nossa patota. “Olhe os cabelos deles, são milenares”, diz uma vizinha do ranzinza Roberto, espantada com a figura do chinês, num jantar de família.
Você até pode achar que o personagem vivido por Ricardo Darín parece fácil de fazer e que está careca de ver tipos assim em um filme aqui ou em outra novela ali, mas interpretado pelo talentoso ator, ganha uma elegância a mais, sobretudo quando ele transita por paisagens deslumbrantes dos bairros da capital argentina, como o elegante Palermo Viejo, um dos cenários da fita.
Meio enredo de Federico Fellini – preste atenção nas tragicômicas tramas dentro da trama vivida pelo personagem de Ricardo Darín -, com sutis influências de realismo fantástico, Um conto chinês é daquelas fitas feitas com gestos, olhares e pequenos detalhes. Mostrando que é das pequenas ações e atitudes que se alcançam grandes méritos, por mais absurda e sem sentido que seja a vida, como diz o niilista Cesare.
* Este texto foi escrito ao som de: The Best of Lobo (Lobo – 2004)