O cinema de Oliver Stone é marcado pela violência. O cara tem sede de sangue e já deixaria sua marca logo de cara, ao assinar o roteiro do épico, Conan – O bárbaro, filme que lançaria mundialmente o grandalhão Arnold Schwarzenegger em 1982. De lá para cá a groselha escorreu feio em produções que entraram para história como, Nascido em 4 de julho (1989), Assassinos por natureza (1994), Alexandre (2004) e sua obra mais impactante, Platoon (1986), segundo ex-combatentes da guerra do Vietnã, a mais cruel e realista história já contada sobre o conflito.
Pois bem, com todas essas informações formatadas dentro da cabeça fui assisti, outro dia, Selvagens, em cartaz na cidade e, mesmo assim, tomei um susto. Não sei se o filme é o mais sanguinolento do cara, mas com certeza é o mais sujo e mostra esse lado podre da condição humana da forma mais realista possível, mas não do jeito que você e eu pensamos ou estamos acostumados a ver.
Em Laguna Beach (Califórnia), onde Deus descansou no oitavo dia, depois de criar o mundo, e foi multado, como brinca a narradora, os amigos do peito, Ben (Aaron Johnson) e Chon (Taylor Kitsch), são sócios de um lucrativo negócio de drogas fundamentado no contrabando das sementes de marijuana do Afeganistão, as mais quente do mercado, como atesta um especialista.
O primeiro faz o estilo Robin Hood dos tempos modernos onde, no bom estilo Bono Vox, converte o dinheiro sujo que ganha em caridades para os meninos pobres da África e da Ásia. Mais fofinho e cínico impossível. Já o segundo é um ex-combatente da guerra do Iraque e do Afeganistão atormentado pelo terror que ganhou muito dinheiro matando gente por lá, mas perdeu a alma por onde passou. Juntos, eles dividem o amor e o sexo selvagem com a bela e fútil, Ophelia (Blake Lively), e, enquanto se divertem nesse ménage à trois caliente, ainda arrumam tempo para, dentro de estilos diferentes, duelar em defensa do monopólio da maconha na fronteira dos Estados Unidos como o México.
“Chon é metal frio, Ben é madeira quente. Chon trepa para exorcizar os fantasmas da guerra. Com Ben eu não faço sexo, faço amor”, separa a loura gostosa, os dois pesos e medidas que tem na cama.
O inimigo é a bela, kistch e histérica, Elena Sánchez, La Reina – Salma Hayek, em atuação marcante – que, tendo como sombra o capanga “Lado” (Benicio Del Toro), toca o terror por onde passa, deixando medo e destruição.
Fazendo uso do estilo quebra-cabeça de contar história, aonde várias versões e frentes conduz o espectador para um labirinto de surpresas narrativas, Selvagens é uma crônica doentia e virulenta sobre os tortuosos caminhos das drogas, mas narrada do lado mais rico e poderoso dessa faceta. Ou seja, a dos grandes produtores de maconha e cocaína que, desafiando todos os dias, a lei e a ética humana, são capazes de fazer qualquer coisa para que suas negociatas não deixem de girar na casa dos milhões.
“Tive que encarar o negócio depois que meu marido foi assassinato”, justifica Elena, a Madrina.
Um demônio em cena, com seus olhos turvos de cólera, Benicio Del Toro mostra em cena porque é um dos atores mais marcantes e respeitado de sua geração, mas é o roteiro hipnotizante e assustador de Oliver Stone quem rouba a cena. Atirando farpas de ironia e debochando de sua própria gente – o que ele sempre fez muito bem -, assim como fazendo uso do bom e velho espetáculo – o que também sempre fez muito bem -, ele nos apresenta uma obra cheia de contradições, o que se tratando do cineasta, é um grande elogio, mas também repleta de inquietações.
* Este texto foi escrito ao som de: Legalize it (Peter Tosh – 1976)