Videoteca Básica (27) O paciente inglês

A bela Juliette Binoche flanando na garupa de seu amante indiano

Um dia cheguei para trabalhar e um amigo meu estava lá, indignado, assim, espumando, babando na gravata porque tinha assistido a um filme horrível de tão ruim, que ia jogar o DVD fora e ponto final. E ele reclamava comigo porque sabia que eu era cinéfilo e condenava, terminantemente, o tipo de produções cinematográficas que ele curtia. Ou seja, filmes barulhentos, com muitos efeitos especiais e sem nada a dizer.

Pois bem, com esse episódio patusco, ridículo até, descobri, definitivamente, que gosto, burrice e falta de sensibilidade não se discute, até porque a fita, motivo de tanta celeuma, era o drama, O paciente inglês, filme de Anthony Minghella, que ele acabou me dando e, para mim, uma das mais belas histórias de amor que o cinema já contou.

Lembro que quando vi o filme na época, lá nos idos dos anos 90, no cinema, ainda concorrendo ao Oscar, chorei lágrimas de esguicho e depois chorei um rio de lágrimas quando o revi novamente. Bom, não sei se sou um rapaz, assim, digamos, esperto, mas com certeza uma moça de delicadeza e sensibilidade.

Baseado no livro homônimo de Michael Ondaatje, a trama, vencedora de nove estatuetas na maior festa do cinema – Incluindo melhor filme e diretor – tem como pano de fundo tema que já rendeu bons trabalhos em Hollywood, a 2ª Guerra Mundial, mas não pelo acontecimento histórico em si, e sim pelos inúmeros romances embalados sob a égide do conflito.

Aqui, o misterioso conde húngaro, Laszlo Almasy (Ralph Fiennes), viveu um amor proibido, mas consumado com a bela aristocrata inglesa, Katharine (Kristin Scott Thomas). Ela era casada com um alto representante do governo inglês, mas se deixou cair pelos em encantos e charme rude desse amante que conheceu no norte da África, na condição de cartógrafo e historiador. “Traições na guerra são infantis em se comparadas com traições em tempos de paz”, escreve ele numa das páginas do livro que carrega.

Mas tudo isso é passado na memória fragmentada desse paciente inglês que hoje nada mais é do que um pedaço de corpo chamuscado entre a vida e a morte, após acidente aéreo que o deixou desfigurado, moribundo e cercado de fantasmas do passado. “Você não pode me matar porque eu morri há anos”, argumenta ele, em cima de uma cama, quando ameaçam sua vida.

Um dia, ele é adotado por uma enfermeira canadense, a bela e desprotegida, Hana (Juliette Binoche), que, fazendo jus a seu código profissional e humanismo desmedido, se propõe a cuidar dele até o fim da guerra, num raro caso de entrega, renúncia pessoal e amor ao próximo.

Repleto de personagens à deriva, perdidos e desolados em tempos de violência, mas em busca de um sentido para a vida, mesmo quando esta já está por um fio, O paciente inglês é de uma poesia visual incrível. Um tipo de cinema que não se faz mais, com sua narrativa labiríntica, cheia de idas e voltas, elegante e arrastada, conduzindo o espectador numa verdadeira elegia ao amor em todas as suas formas. “Quando partir deve me esquecer”, diz os amantes em cena. “Ele passa o dia todo procurando e a noite só quer ser procurado”.

Não há como se emocionar com os corpos brancos dos amantes na paisagem amarela e quente da África do Norte ou ainda deslizando no ar, pelo teto de uma catedral renascentista.

Enfim, toda vez que revejo esse filme, tenho pena daquele amigo meu do começo deste texto.

* Este texto foi escrito ao som de: Irving Berlin – A great American Songwriters (1994)

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