A queda para cima de Diogo Mainardi

“Eu aceitei a paralisia cerebral de Tito com naturalidade, com amor”.

A rabugice de Paulo Francis era de uma infantilidade obtusa. A rabugice de Diogo Mainardi é antipática e pedante e, por isso mesmo, redundante. Paulo Francis é eterno, Diogo Mainardi é efêmero, mas não tão passageiro quanto sua dor de ter um filho com paralisia cerebral. Uma dor que ele escancara, encara, zomba e debocha no livro, A queda – Memórias de um pai em 424 passos.

Ao contrário de muitos, estou lendo essa curta e comovente obra não por sadismo ou curiosidade mórbida diante da desgraça alheia, mas porque sou um quase pai e também porque gosto do estilo ranheta, mal-humorado e sincero do escritor e jornalista cinquentão, que desde os anos 80 escolheu viver em Veneza desde 1987.

E foi lá, na mediterrânea e renascentista cidade italiana onde nasceu Tito, seu primogênito que, vítima de um erro médico hoje convive diariamente com as quedas do título. A vida de Tito é assim, um tombo atrás de outro e é com suas quedas e tombos que, página a página, nos emocionamos com a crueza da narrativa, o desabafo irado, cheio de rancor e mágoa de Mainardi, um sujeito que, tanto nos tempos da revista Veja ou no Manhattan connection, passa a impressão de ser um sujeito de mal com a vida.

“Eu imputo a paralisia cerebral de Tito a Pietro Lombardo”, escreve, referindo-se ao arquiteto italiano que projetou a Scuola Grandi di San Marco, antiga morada militar e hoje a tragédia dos Mainardi teve início. “Eu aceitei a paralisia cerebral de Tito. Aceitei a com naturalidade. Aceitei-a com deslumbramento. Aceite-a com entusiasmo. Aceitei-a com amor”, revela.

Não há como deitar os olhos em A queda, de Mainardi e não perceber que o livro surge como uma espécie de exorcismo pessoal, expurgo sentimental do autor diante de seus fantasmas, de sua própria arrogância e de sua autenticidade diante do que lhe é incômodo e não estamos falando aqui de seu filho especial. Não mesmo. “Com esta fachada, aceito até um filho deforme”, revela, ele o que teria dito, minutos antes de entrar no hospital com a esposa grávida. Deu no que deu.

Original na forma e comovente – mas longe de ser piegas ou cair em clichês -, no tema, A queda é também uma alegoria de referências culturais, históricas e filosóficas, para não dizer existencial sobre uma questão tão intimista. À medida que Diogo Mainardi avança no seu depoimento com fatos e detalhes de sua triste experiência, contextualizando e correlacionando o desastrado e apressado parto da obstetra que lesou seu filho, passo a passo, informa, preenche e até sufoca o leitor com inúmeras referências cinematográficas, literárias ou meras experiências de vida que vão desde, Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, passando pelo nazista Josef Menguele, até chegar à intimidade de sua queda moral diante do livre-arbítrio.

“Se o meu filho permanecesse em estado vegetativo, eu esperaria que ele morresse”, diz, cúmplice. “Eu só queria que ele sobrevivesse. Entre a vida e a morte, aferrei-me à vida”, entrega.

Bom, você pode até não gostar do Diogo Mainardi, mas tem que admitir que aqui, em sua A queda, assim como em O filho eterno, de Cristovão Tezza, ele se mostra um intelectual de coragem e, com sua dor pessoal, nos faz aprendermos muito sobre as imoralidades universais que nos cercam. Agora entendo porque algumas pessoas são tão amáveis, adoráveis e cativantes. Enquanto que outras têm o dom do desprezo, da soberba e do sadismo.

* Este texto foi escrito ao som de: Prélude à l’après-midi d’un faune (Claude Debussy – 1892 – 1894)

 

12 comentários sobre “A queda para cima de Diogo Mainardi

  1. Ser amável, adorável e cativantel assim como se valer do desprezo, da soberba e do sadismo, nada tem a ver com dom! Aí estamos retirando do sujeito a responsabilidade pelas suas posturas. A tiração de onda do Diogo sempre foi um buraco mais embaixo do que a poesia que ele tenta misturar ao seu veneno simplesmente elitista. Antes de ele ser pai do Tito já era a dor-de-cotovelo em pessoa. Vide seus comentários acerca da oibra de João Ubaldo Ribeiro – pura dor-de-dotovelo com citações ostentadoras de cultura e nada mais.

  2. Acabei de ler o livro “A Queda” … e confesso que me emocionei do início ao fim… chorei até secar minhas glândulas lacrimais! Não concordo que houve deboche… é apenas um pai que vive para o filho! Um pai que realmente ama seu filho, acompanha passo por passo…queda por queda, não consegue suportar as atrocidades que deram causa ao dano, seja por dolo ou culpa ( negligência, impridência, imperícia) é teratológico esperar que depois de tudo ele coloque uma batina branca, saia pelas ruas batendo palmas e pedindo paz!!!! Dante na Divina Comédia relata em poesia o Inferno para dps chegar ao Paraíso ( por tal é chamada Comédia)… São relatos verídicos, independente de posição ou partido político… trata-se de um valor maior, VIDA!!! e um pai é capaz de tudo , a coragem e a força se tornam infinitas , assim como o amor pelo filho. Mas, cada qual interpreta da sua maneira…. boa noite senhores!

      • ola! achei que vc poderia visualizar pois o coloquei no meu nome, porque eu mesma nao gosto que coloquem links para “propaganda” nos meus comentários :). pode clicar no meu nome no meu comentário. ou ir para http://www.descortinandohorizontes.com é um blog de viagens. Comecei em fevereiro e criei uma aba viajando nos livros e li este livro ontem, durante o dia. Quando resolvi escrever, fui procurar outros que tivessem escrito sobre ele e quando achei o seu, vi que vc pensou parecido comigo. Por isso resolvi comentar (já que eu tb adoro quando comentam o meu, eu fico sabendo o que as pessoas pensam). Não passei a idéia tão bem quanto você, já que vc é jornalista rsrsr, mas eu acho que consegui passar o que achei. le lá! é o primeiro post ainda. ou na aba Viajando nos livros.

  3. NÃO SABIA QUE DIOGO MAINARDI TINHA ESTE FILHO E QUE PAIS. TITO É UM RAPAZ SORTUDO E MUITO, MUITO FELIZ. AMO TITO. É UMA ALEGRIA. É A VIDA PLENA. PARABÉNS DIOGO MAINARDI E ANA POR ESTES FILHOS. LEIAM “A QUEDA”. LIVRO MARAVILHOSO. BEIJOSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS TITO. TE AMO

  4. acho que vc não entendeu o livro. mainard não expõe nenhuma dor, nem destila rancor ou mágoa. trata-se de uma história pessoal de amor de um pai em relação ao filho. como ele disse, aceitou a p.c. do filho. E o ama tout court. Não o ama “apesar da doença”, como pareceu a vc.

    releia o livro, amigo.

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