Os Deuses Malditos (1969)

Deuses Malditos

A saga de Visconti sobre família em conflito entre a decadência da república de Weimar e ascensão de Hitler ao poder 

“Os Deuses Malditos” (1969) era um dos poucos filmes do Visconti que eu ainda não tinha assistido. Este e outro com a Claudia Cardinale que não me lembro do nome agora. E, como em algumas de suas tramas, o enredo tem pegada operística, conflitos intensos familiares e perversões homossexuais veladas. É a história de um clã dono de poderosa usina de aço que vê o patrimônio de toda uma vida ruir com a chegada dos nazistas ao poder.

O filme é longo, às vezes cansativo, mas é do jogo da mise-en-scène do cineasta que tinha um estilo refinado. Aqui, acontece de tudo, incesto, pedofilia, suicídio e assassinato calculado com a frieza de um psicopata que exibe charme e, claro, boa dose de maldade insana. E nome do poder, da tradição, da honra e da loucura, as piores barbaridades são cometidas.

“Sem aço não se faz canhão”, ironiza, sedutora, a matriarca dessa família em decadência, diante de uma autoridade nazista.

Embalado pela ópera, “Crepúsculo dos Deuses”, de Richard Wagner, os personagens expõem a queda da república de Weimar, que afundou a Alemanha na merda após a 1ª Guerra Mundial, e a ascensão de Hitler. Deu no que deu. Tudo começa num jantar turbulento e a morte misteriosa do patriarca Essenbeck. Há um tom de mistério, referências a Shakespeare e ao clássico, “O Anjo Azul” (1930), com a diva Marlene Dietrich e atuações viscerais. Imperdível!

* Este texto foi escrito ao som de: O Crepúsculo dos Deuses (Richard Wagner – 1869/1874)

RW

Alguém melhor do que você

Duas caras.jpg

“E essa obsessão sua por gente fraca e torta?
E essa sede cega por status e poder”

Você é tão cínica e cara de pau

Fingindo que nada aconteceu

Com este sorriso bobo na cara

E a frase: “Nossa, quanto tempo!”.

 

Você é tão maluca é nosense

Dizendo que a culpa foi minha

Quando na verdade, tudo, no fim,

Resume-se à vaidade e ego.

 

Você diz que eu estava errado

Perdido em meu ciúme infantil

Mas não tem nada a ver, baby

Você gostava de me ver sofrer

 

Essa é a verdade que você não crê

Os seus erros que não quer ver

Fingindo pra você mesmo suas mentiras

Enquanto eu me queimo no meu inferno

 

Porque você fingiu que não me viu

Quando nos esbarramos na rua?

Era medo, covardia ou vergonha

De se confrontar diante do espelho?

 

Tenho tanta vontade de vomitar

Minha indignação em cima de você

Mas, sabe, não vale tanto à pena,

Acredito na justiça do tempo

 

Pode zombar de mim pelas costas

Enquanto eu estiver por fora e tombado

Eu não ligo, sofro sozinho e calado,

Amanhã o Sol irá iluminar a escuridão

 

E essa obsessão sua por gente fraca e torta?

E essa sede cega por status e poder

Cuidado, da altura em que estás

O tombo por ser grande e fatal

 

Você se achar tão por cima

Brincando de a poderosa do momento

Cercada de bajuladores e hipócritas

Que triste este fake mundo de glamour

 

Cansado desses amigos de mentiras ao redor

Todos de plásticos como eu e você

Em quem acreditar?

pra quem gritar por socorro?

 

Ainda guardo o rosto de sua filha

Em minha memória e no peito

Só espero que no futuro

Ela possa ser alguém melhor do que você…

* Este som foi escrito ao som de: Positively 4th Street/From a Buick 6 (Bob Dylan – 1965)

Bob positily

 

 

A pior Copa da minha vida

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Queria que a seleção belga levasse o caneco, mas a França tá de bom tamanho

Essa foi a pior Copa da minha vida. Não que os torneiros realizados de quatro em quatro anos fossem essenciais para minha existência, mas é a tal coisa. Futebol mexe com qualquer um, do mais ignorante da bola, ao fanático chato. Não encaixo em nenhuma das duas classes, mas neste ano não me empolguei. Não sei se é porque estou à deriva no mercado, distante de pessoas que amo ou mesmo até sem animo para vida, mas este ano a Copa foi sem graça.

Desde 1982, quando eu tinha seis anos apenas, que acompanho as Copas. Naquela época, não entendia muita coisa, mas me lembro do jingle do Júnior e cia com a frase “voa, canarinho, voa”, soprando em meus ouvidos, os chutes bombas do Éder, meu ídolo, os cabelos esvoaçantes do Falcão a cada gol marcado da nossa seleção, a careca do Waldir Peres, o choro da derrota e o nome Paulo Rossi soando como uma maldição no ar.

Ainda em 1986 eu torcia pela nossa seleção, parafraseando o Nelson Rodrigues, com a paixão de um patriota que dormia com as chuteiras e comia bola. Depois, essa alegria de ver cada mundial foi se dissipando, esvaindo como fumaça no ar. Acho que a gente vai ficando mais velho e entendido das coisas da vida e do mundo e a magia se perde.

Patriota rima com idiota. E, embora eu não seja lá tão patriota assim, idiota não sou. De modo que nem perdi tempo sofrendo pelos marginais que vestiram nossa camisa nesta Copa. Um bando de vendidos babacas sem um pingo de amor pelo país, pelos torcedores, pela seleção e mesmo pelo futebol. Neymala a maior vergonha de todos os tempos da história do no escrete.

Bem, certa vez John Lennon disse que Jesus tudo bem, mas que seus discípulos eram tolos e medíocres. Acho que posso dizer o mesmo com relação ao Tite e os seus garotos mimados. O que eu queria mesmo era que os belgas, com o futebol mais bonito desse torneio, tivessem levado ou caneco, mas fico feliz pela França e queria dar um beijo naquela presidente gata e charmosa da Croácia. O resto é bobagem, um tédio, uma bobagem como bolha de sabão…

* Este texto foi escrito ao som de: The Fugs First Album (The Fugs – 1965)

Fugs

 

Os 50 anos de “O Bebê de Rosemary”

Mia

Mia Farrow desconfiada de que pariu um monstro…

Nos meus tempos de inocência, dois filmes de terror me deixavam sem dormir e roendo as unhas, altas madrugadas, por muito tempo. Um deles foi o impactante, “O Exorcista” (1973), de William Friedkin, que até hoje sinto calafrios só de ver trechos. E olha que não acredito em deus, nem no diabo. O outro é o denso, “O Bebê de Rosemary” (1968), de Roman Polanski.

Pois bem, essa pérola do cinema de terror psicológico completa este mês 50 anos e continua enxutão. Quer ver? Quem viu a princesa Kate Middleton saindo do hospital com o pequeno Louis, outro dia, não deixou de comparar o seu vestido vermelho, com babado no estilo, Olívia Palito, parecido com o de Mia Farrow no clássico filme. É só conferir…

Coincidência a parte, o fato é que a semelhança causou uma espécie de déjà vu nos cinéfilos de plantão. Uma prova de que o filme marcou época, a ponto de despertar sensações sensoriais como essas, o que não é pouca coisa. Fora isso, além de ser o filme de maior sucesso nas bilheterias do polêmico diretor polonês, “O Bebê de Rosemary” – o primeiro do cineasta rodado nos EUA -, revolucionou a forma de abordar o terror.

Ao invés de assustar as pessoas apostando em feras medonhas e monstros assustadores, o roteiro dá ênfase aos conflitos e tensões psicológicas das personagens, aqui circundadas por intenso clima de perseguição. Para piorar as coisas, a maior parte da trama acontece dentro de um claustrofóbico e assustador apartamento, por sinal, localizado, simbolicamente, no prédio onde John Lennon seria assassinado, o edifício Dakota. Mais macabro, pior…

Há pelo menos duas cenas bizarras no filme. A do delírio de Mia Farrow que se vê em situações macabras, como aquela da sua cama boiando em alto mar e dela próxima ao carrinho de bebê todo negro, com uma faca na mão e a do corpo todo arranhado após sexo com criatura sinistra. Ui, só de lembrar já fiquei arrepiado…

* Este texto foi escrito ao som de: Stand Up (Jethro Tull – 1968)

Stand Up - JT

 

A Firma (1993)

Firma

Gene Hackman e Tom Cruise traz à tona os meandros sujos da advocacia…

Qual o melhor filme de Tom Cruise? E qual o melhor filme do diretor Sidney Pollack? Que diferença faz se o peso na balança aqui está em talentos de peso como a do ator, Gene Hackman, no papel de um dos vilões mais cínicos e adoráveis do cinema?

Tudo isso você pode conferir no filme, “A Firma”, sucesso de 1993, baseado no best-seller de John Grisham. Está tudo lá, suspense, ação, roteiro bem amarrado e atuações estupendas, sobretudo do elenco secundário.

Na trama, os meandros sujos, dúbios e perigosos na relação entre advogados e seus clientes. Acho a Jeanne Tripplehorn um sundae com aquele ar de Natalie Wood… E alguns aspectos o livro tem um clima de “O Bebê de Rosemary”, é só conferir…

* Este texto foi escrito ao som de: The Hurdy Gurdy Man (Donovan – 1968)

Donovan

 

É o amor pelos livros que me salva…

Livros 2

Quando eu morrer, quero que meu caixão seja feito de livros…

Já perdi as contas de quantas vezes pensei em suicídio. Suicídio está na moda, é a fuga do momento, a saída sem solução. Se não pulei do no nono andar de onde eu me escondo, por aí, no Planalto Central, ou me joguei debaixo de uma carreta a mais de 120 km por hora, bêbado, foi por puro amor aos livros. Às minhas duas meninas e aos livros.

Afinal, com quem deixar minhas crianças e estantes mágicas cheias de livros quando eu partir? Ou pior, quantos livros eu irei deixar de ler quando não estiver mais por aqui, neste mundo insano, doente e egoísta. O Ruy Castro, um ídolo de primeira grandeza, escreveu certa vez que quando morrer não quer ir nem para o céu, nem para o inferno, mas para o paraíso dos sebos.

 

Será que lá é permitida a entrada dos loucos e suicidas?

…Quando eu morrer, quero que meu caixão seja feito de livros…

* Este texto foi escrito ao som de: Five Leaves Left (Nick Drake – 1970)

Nick Drake

Da Miséria Humana…

Ratos

Na Idade Média, o poder público perdeu o controle da peste de ratos que dizimou parte da população, mas teve gente que tirou proveito da situação…

Na Idade Média, na Europa, eclodiu uma epidemia de ratos que matava, por dia, dezenas de pessoas. O poder público, por negligência, não conseguia controlar o problema e fez um pacto com a população. Seria pago um valor X pela quantidade de ratos capturados. Quem trouxesse +, ganhava +. Logo, percebeu-se que, com o esquema, ao invés de diminuir, os ratos só aumentavam. Descobriu-se, então, que as pessoas estavam criando camundongos.

Esse episódio histórico ilustra a pobreza que é a miséria humana. Ou seja, uma realidade tão orgânica e natural como respirar e talvez um caso sem solução. Basta traçar paralelo com a atual situação do país em que empresários oportunistas, governo omisso e população egoísta, sem nenhum espírito coletivo, de solidariedade e bom senso, tiram proveito da crise dos combustíveis que assola o país de qualquer maneira. Perde todos!

É o jeitinho brasileiro de querer se dar bem a todo custo e à custa de todos. A mentalidade cultural da esperteza e malandragem. Da falta de altruísmo. Por isso que a humanidade é essa merda que aí está. O que faz qualquer um, com um pingo de juízo, perder a fé no ser humano e jogar as esperanças pela janela. O melhore mesmo seria se jogar da janela…

* Este texto foi escrito ao som de: Suicide (1977)

Suicide1977

 

Amor não correspondido

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enquanto ela finge que conhece Woody Allen, eu fico aqui ouvindo Cat Power… Bebendo e ouvindo Cat Power…

Amor é uma merda! Amor não correspondido é uma merda. Quando eu mais precisei dela, ela me deu as costas e foi embora. Simplesmente me abandonou. Foi para Nova York curti a vida e fez de conta que nada tinha acontecido. E assim, enquanto ela finge que conhece Woody Allen, eu fico aqui ouvindo Cat Power… Bebendo e ouvindo Cat Power…

Ei, você aí! Este sou eu! Dá pra ver que tô perdido na vida. Pra começar, roubando esta fala de um ratinho gourmet da Disney pra contar uma história cheia de som e fúria. Um ratinho gourmet da Disney, pode? E daí?! Sou um looser mesmo, mas um looser de bom gosto, acho…

Mas me diga você que tem espectro existencial de um Albert Camus e entende dos problemas da alma, chafurdando na psique atormentada de pessoas como eu. Como reagir ao fracasso? Como sobreviver aos escombros de uma existência fadada ao nada, ao invisível? Qual caminho seguir quando se está por baixo e na pior?

Meu quarto é minha fortaleza, meu porto seguro, meu paraíso na Terra, o Eldorado de mim mesmo! É onde tenho tudo, meus discos, meus livros, meus filmes, as boas memórias de experiências sensoriais que me mantém vivo enquanto tudo ao meu redor parece cinza e sombrio…

* Este texto foi escrito ao som de: Later With Jools Holland (2013)

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Copacabana, o reduto do samba-canção

Cartola 3

O mestre Cartola e Dona Zica na cerca da casa em que ele escreveu os maiores samba-canções da música brasileiras

Um belo dia, Dona Zica estava aguando as roseiras que ela e o marido Cartola cuidavam com muito zelo, quando, surpresa com a quantidade de flores brotadas, perguntou: “Mas como tem dado essa roseira, né, o que é que houve?”. Ao que ele respondeu, quase desatento: “Sei lá, elas não falam”. Nascia assim, de forma despretensiosa e frugal, um dos clássicos da nossa música, “As Rosas Não Falam”, a canção mais regravada do mestre sambista.

Eis só uma das milhares de histórias saborosas contadas pelo jornalista e estudioso da música brasileira, Zuza Homem de Mello, no livro, Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929 -1958), um calhamaço de mais de 500 páginas que se propõe a contar a história desse grande gênero musical que deu origem a vários sucessos e vozes inesquecíveis, entre eles, Cartola.

Foram mais de 10 anos de pesquisa que renderam um livro ilustrado por fotos maravilhosas de uma época nostálgica até para um sujeito como eu que não a viveu. O legal do livro é ler cada capítulo, cada página, ao som das canções citadas, que traz por trás, sempre, relatos de autores calejados por esse bichinho infernal chamado “amor”. Foi um dos melhores títulos que li nos últimos meses.

É o período das boates enfumaçadas em cujo clima de paixão e desejo se mistura ao tilintar dos copos das bebidas e vozes de intérpretes como Linda Batista, Dick Farney, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Elizeth Cardoso, Dolores Duran e a gata rebelde, Maysa. Com o fim dos cassinos em 1946, Copacabana, a princesinha do mar, se tornaria o cenário ideal para o pecado, a fuga dos amantes, o desterro dos amores não compreendidos.

Algumas passagens do livro são marcantes, como o surgimento do “Clube dos Cafajestes” ou ainda o relato minucioso, quase antropológico, no início da obra, de um Rio de Janeiro mítico e cheio de glamour dos anos 50 que não existe mais, infelizmente, mas que insiste em perdurar em nossas mentes e corações por meio das maiores vozes que este país já teve. Copacabana é um livro para se ler ouvindo ou ouvir lendo, cheio de encanto na alma.

* Este texto foi escrito ao som de: Cartola (1976)

Cartola 2

Bethânia Bem de Perto

Bethânia 2

A jovem cantora baiana nos idos de 1965, substituindo Nara Leão no show-manifesto Opinião

No próximo dia 30 a diva da MPB, Maria Bethânia, deve se apresentar em Brasília. Toda vez que a cantora vem à cidade causa comoção, histeria e depois saudade. Uma das vozes mais emblemáticas do país, a artista é uma persona singular. Se você for ao show, uma dica é conferir no Canal Brasil – acho que ainda dá tempo -, o documentário, “Bethânia Bem de Perto”. Trata-se se um registro pioneiro da cantora antes do mito.

O feito é de Julio Bressane e Eduardo Escorel, ambos, nos primórdios do métier, ou seja, idos do ano de 1965, filmando os bastidores da chegada de Bethânia ao Rio de Janeiro, para substituir a musa da Bossa Nova (veja só), Nara Leão, no musical Opinião. Em cena, um compositor do morro (Zé Keti), outro do Nordeste agreste (João do Vale), mais a carioca da Zona Sul, Nara, refletindo as mazelas do país, pré Golpe Militar, num show-manifesto.

“…Num pequeno teatro de arena de Copacabana, combinando o charme dos shows de bolsos da Bossa Nova em casa noturna com a excitação do teatro de participação política”, como lembraria o irmão Caetano Veloso, no livro “Verdade Tropical”.

No filme, de pouco mais de 30 minutos, a câmera já com toques de marginal, de Bressane, capta a jovem artista nos bastidores de sua primeira grande empreitada, bem à vontade com amigos, seu cigarro Minister e discos de ídolos como Billie Holliday. “Como eu posso esnobar o Roberto Carlos, o cara mais famoso do Brasil… Eu soube que ele é uma pessoa ótima”, desconversa ela, ao tentar lhe jogar uma casca de banana.

Noutra cena, brinca de mau me quer, bem me quer, tendo como plateia, um jovem Jards Macalé, disfarçado de Paulo Silvino, é só conferir. Uma das coisas que mais me impressionou ao rever este filme foi notar a semelhança da voz de Bethânia jovem com a de Ivete Sangalo. Com o detalhe que não acho a menor graça no Ivetão…

* Este texto foi escrito ao som de: Maria Bethânia (1965)

Maria Bethânia