Sou rancoroso como o Collor de Mello

Collor revela que escreveu livro sobre os bastidores do impeachment

Bom, não sou de vingança e nem nunca serei, mas com certeza, assim como o ex-presidente Fernando Collor, sou uma pessoa rancorosa ao extremo, a ponto de ficar remoendo, ruminando um mal que alguém me fez por dias a fio, meses e até anos. Infelizmente é um defeito horroroso que tenho e que me faz mal até, mas é a mais pura, hedionda e crassa verdade, fazer o quê?!. Daí a frase do autor de, Assim falou Zaratustra, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), ser simbólica para mim. “A memória do ressentido é uma digestão que não termina”.

Me lembrei dela ao ver uma entrevista que o Geneton Moraes Neto fez com ex-presidente Fernando Collor, exibida outro dia, na Globo News. Não sei se era reprise, só sei que nunca tinha visto o material e achei, chocante, no mínimo revelador.

Aliás, que jornalista formidável é o Geneton, né? Quando crescer eu quero ser igual a ele. Na entrevista, Collor, hoje um sessentão, lembra 20 anos depois os bastidores do impeachment e os tramites que levaram ao plano econômico que confiscou todo o dinheiro da poupança dos brasileiros naqueles anos de trevas. Também de como pensaram em fechar o Congresso e revelar dossiês sobre os adversários políticos. “Eu achando que seria documentos sérios sobre segurança do país ou coisa do tipo, mas não passavam de fofocas, intrigas constrangedoras”, revela, com ironia.

Ele também fala de ressentimentos, rancores e de um livro que escreveu e que um dia cairá, como uma bomba, na cabeça de todos aqueles que foram protagonistas, coadjuvantes e figurantes de um dos piores momentos da história política recente do Brasil. “Ah, sim. E que impacto”, simplificou.

O irmão de Collor, Pedro, o pivô de todo o escândalo que abalou o país, classificava o ex-presidente, quem ele conhecia muito bem, evidentemente, entre outros predicados nada lisonjeiros, como uma pessoa vingativa e rancorosa. E hoje o então Senador da República já deu claros sinais de que é uma pessoa rancorosa, assim como eu também sou.

Mas voltando à entrevista, Collor comentou ainda, como a decisão de confiscar a poupança foi uma medida técnica radical, nas palavras dele, um golpe de ippon, na tentativa de acabar com a galopante inflação. “Um ato de voluntarismo e muita coragem”, chega a dizer, meio autista, parecendo não ter noção do mal que causou.

Falou também do clima de euforia e sadismo que reinou durante os dias do processo de impeachment e do grande teatro promovido pelo Congresso para tirá-lo do comando do país. Das lembranças dos urros dos sádicos e da patuleia ignara que pouco tempo antes estavam ao seu lado, bajulando e apertando sua mão e logo em seguida, o apedrejando. “Quando saiu o resultado da votação (no Senado) eu estava sozinho na minha sala e ouvia os gritos de vivas, as manifestações de alegria”, recorda sem esconder o rancor.

E nesse ponto eu até concordo com ele, porque nada é mais cretino do que o sadismo humano. Aquela coisa do sujeito estar na merda e o próximo pisotear, achincalhar. Acho que, por mais errado que a pessoa seja, por mais erros que cometeu, tem o direito a um julgamento justo e parcial. Tripudiar em cima do amigo ou desafeto, de quem está por baixo com ares de sadismo é pobreza de espírito.

Mas uma coisa em especial despertou minha curiosidade de jornalista. O tal livro que ele, Collor, confessou ter escrito sobre os bastidores do seu impeachment e que traz revelações bombásticas. Ao Geneton Moraes Neto ele explica que ainda não publicou porque muitas pessoas envolvidas estão vivas. De qualquer forma, o experiente jornalista cavoucou trechos em que ele fala sobre o oportunismo de Itamar Franco e Ulysses Guimarães, segundo Collor, duas raposas traidoras.

O religioso Martinho Lutero, por sinal outro alemão, é que tinha razão: “Nada se esquece mais lentamente do que uma ofensa e mais rápido do que um favor”.

* Este texto foi escrito ao som de: V (Legião Urbana – 1991)

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