A chocante morte de Walmor Chagas

"Quero morrer de forma surpreendente", disse o ator.

“Quero morrer de forma surpreendente”, disse o ator.

Desde que me entendo por gente o Walmor Chagas já tinha cabelos brancos. Acho que ele nasceu com aqueles cabelos brancos. Se bem que não, já que no filme de 1965, do Luís Sérgio Person, São Paulo S/A, ele tinha cabelos negros, mas a elegância que o consagraria já estava lá, intacta. O talento também. Aliás, são duas coisas que não se tira de ninguém, nem fabrica, vem com a pessoa, elas já nascem com isso.

Em 1984, aos oito anos, eu nem entendia direito as coisas, mas não perdia um capítulo da novela Vereda tropical, tudo por causa do personagem Luca (Mário Gomes), um jogador de futebol de sangue italiano que fazia a alegria do povo, mas lá estava o velho Walmor Chagas, com seu eterno cabelo branco na pele do ranzinza Oliva.

Depois ele sumiu, não o vi mais por um longo tempo, a não ser esporadicamente aqui e acolá, mas sempre em papéis marcantes, elegantes e interessantes, assim como ele, e vai ficar em minha memória a imagem de sua cara hirsuta, tão branca quanto suas basta cabeleira, na minissérie Os Maias, adaptação para a tevê do clássico de Eça de Queiróz na pele do imponente Afonso.

Puxa vida, grande ator era o Walmor Chagas, né? Do tipo que não existe mais, do tipo que não se faz mais, uma verdadeira raridade que foi embora ontem aos 82 anos. Uma morte que lamentei muito porque ele era uma figura que rondava meu inconsciente mesmo que de forma distante, quase que uma figura de avô.

Bem, dizem, ainda estão investigando, mas parece que a causa da morte foi suicídio e eu diria que morte mais bonita seria para um SP
autêntico homem de teatro, que morte mais cênica, mas surpreendente, como ele mesmo disse, numa entrevista a Bianca Ramoneda, da Globo News, no programa Starte.

“Quero morrer de forma interessante, surpreendente. Morrer de avião deve ser ótimo”, brincou o ator, com bom humor.

Mas nessa mesma entrevista, notei traços de amargura, melancólica e rabugice diante da vida. Parecia-me que ele estava desconfortável diante dela, da profissão, da velhice, do implacável tempo. Reclamava que se sentia deslocado diante do teatro que se fazia nos dias de hoje e que a nostalgia de seus tempos de glória no palco não passava de boas recordações que não voltam mais.

“Quando a gente fica velho viramos uma caricatura. Então é melhor sair de cena aos poucos”, disse certa vez ao grande colega de teatro, Juca de Oliveira.

Alto, dono de uma voz forte, firme e marcante, rosto soberano e andar nobre, esse gaúcho de Porto Alegre fez trabalhos de peso na televisão e no cinema, o último filme, por sinal, do paulista Ugo Giorgetti, o drama Cara ou coroa, mas era o teatro a sua grande paixão, onde ele se sentia o máximo, o grande ator que sempre foi. Espaço que dividiu com o grande amor de sua vida, a atriz e produtora de teatro, Cacilda Becker. De modo que vou lamentar para sempre nunc
a ter tido a chance de vê-lo nos palcos.

“Esse é o poder do teatro, do ator junto ao público. Ou seja, essa capacidade que o ator tem de chegar no coração, no inconsciente do espectador”, disse numa de suas últimas entrevistas.

Bom, que ele descanse em paz agora junto com os deuses do teatro.

* Este texto foi escrito ao som de: O anel do Nibelungo (Richard Wagner – 1848/1874)

Richard Wagner 2

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