Cap. 13 Ziggy Stardust e Stanley Kubrick

A persona Ziggy Stardust de David Bowie nasceu das trevas, como uma espécie de messias polissexual

Assim como as faixas de trânsito que os Beatles usaram para capa do mítico disco Abbey Road, de 1969, a cabine telefônica que David Bowie aparece na contracapa de Ziggy Stardust, virou ponto de peregrinação não apenas para os admiradores do camaleão do rock, mas também para os fãs de música de um modo geral.

Não a original, que ficava no Soho, mas a réplica, que foi construída depois na Heddon Street, onde os Bowie fixara residência em meados da década de 70. Clicada pelo fotógrafo Brian Ward, o lugar seria só mais um dos vários elementos que fariam parte do clássico disco de 1972 The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from mars. Os caminhos que levaram à realização da obra que daria uma guinada de 360º na carreira do artista é pontuada por detalhes hilariantes.

Que Ziggy seja uma variação do nome de um de seus amigos e ídolos, o junkie Iggy, ninguém duvida. Mas de onde foi tirado Stardust? Na biografia Bowie, escrita pelo jornalista e crítico musical Marc Spitz, lançada no Brasil pela Benvirá, o cantor revela que a inspiração viria de uma obscura banda norte-americana que ele conheceu na primeira viagem que fez aos Estados Unidos em 1970, a Legendary Stardust Cowboy. Eles eram originários da pequena Lubbock, cidade do Texas de onde viera Buddy Holly, um dos pilares da primeira fase do rock.

“Todosem que Bowiese inspirava pareciam ter um pé na cova e outro no futuro”, escreve Marc Spitz.

Laranja Mecânica, de Kubrick (foto), contribuiria para a criação do andrógeno personagem do camaleão do rock

No capítulo, Marc Spitz defende a tese de que Bowie escreveu o roteiro ciente de que sua personaseria uma figura maldita, fora dos estereótipos do gênero, uma espécie de messias decadente e polissexual. “Ziggy é o anti-herói perfeito para década. (…) O anticlímax espacial, reflexo de Manson, do festival de Altmont, da reeleição de Nixon e dos fins dos Beatles, sob uma roupagem sexy”, escreve o jornalista. “Ele não era uma figura utópica dos anos 60, mas uma entidade corrompida dos anos 70 que não poderia ser como eles sem danificar permanentemente seu corpo, sua mente e, mais importante, a carreira conquistada a duras penas”, conclui.

Assim, olhando em retrospecto, pode-se dizer que Ziggy Stardust nasceu das trevas porque, estar na Inglaterra em 1972 era acreditar que o fim estava próximo. E a escuridão deixaria de ser mera metáfora com a greve dos mineradores que fez Londres padecer vários dias sem luz.

Para aumentar o clima de terror, o polêmico filme de Stanley Kubrick Laranja mecânica era a grande sensação das salas de cinema. Na trama, Malcolm McDowell comandava uma gangue de adolescentes delinquentes que faziam apologia às drogas e a violência. Assim como aconteceu na época de 2001: Uma odisséia no Espaço, influência direta da etérea Space oddity, mais uma vez Bowie se veria sombreado pelo celebrado diretor.

De certa maneira, todas essas influências visuais, comportamentais, sociais e, sobretudo, humanas, seriam jogadas num liquidificador de ideias, muitas delas quase nunca descartadas. De modo que botas de luta-livre, macacões espaciais, um corte de cabelo radical, declarações sobre sua possível homossexualidade e os personagens andrógenos de Kubrick surgiam como importantes referências. Se McDowell tinha os seus droogs, Bowie atacava de aranhas marcianas. “Essa gangue de rua se movimentava como tigres em vaselina”, ironiza Spitz.

Tony Defries, o ambicioso e esperto empresário de Bowie aprovaria o novo look e estilo do pupilo com uma farejante frase que seria antológica no meio. “É bem vendável”, vaticinaria.

* Esse texto foi escrito ao som de: Rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from mars (David Bowie – 1972)