Gore Vidal e a América hipócrita

Gore Vidal (de preto) no set de filmagem de Ben-Hur, em 1959

O escritor norte-americano Gore Vidal morreu na última terça-feira, mas só agora, quase uma semana depois, é que a ficha caiu em meu orelhão sentimental. Acho que é por causa da correria do dia-a-dia, da pressa besta e leviana que nos cerca, da superficialidade dos tempos do nada.

Enfim, ao ouvir falar sobre esse colosso da literatura da América, me veio à cabeça uma série de lembranças. Uma delas, claro, remete ao clássico dos clássicos dos épicos hollywoodiano, Ben-Hur. Sim, porque embora não tenha sido creditado, Vidal foi um dos colaboradores do roteiro do filme e poucos sabem que sua contribuição foi determinante para inflamar a tensão homossexual velada entre o protagonista do título e seu amigo de infância, Messala.

Como se vê, um toque para lá de importante que a hipócrita sociedade norte-americana fez vista grossa, mas quem não viu sua participação no filme Roma de Fellini (1972), é porque, além de hipócrita é cego e ponto final. No filme, uma homenagem bem ao estilo do diretor italiano à capital romana, ele faz o papel de si mesmo, sentado numa daquelas elegantes mesas de restaurante romanas, respondendo às intervenções do Fellini.

Mas ainda falando sobre filmes e Gore Vidal, ele também foi roteirista, e desta vez creditado contra a vontade, do polêmico e promíscuo épico, Calígula, fita produzida pelo dono da revista masculina, Penthouse, Bob Guccione, no final dos anos 70. Na trama, o sanguinário imperador vivido por Malcolm McDowell, entre outras atrocidades, concedeu ao seu cavalo, Incitatus, as insígnias de senador. Vidal e suas safadices, mas quem não tem telhado de vidro?

E por falar em épicos históricos, Gore Vidal foi, senão um dos pioneiros, um dos mais famosos escritores ao dar tratamento romanceado às grandes personagens históricos, no caso, Juliano (1964). Que por sinal, foi o único livro dele que li, pelo menos comecei a ler, mas não consegui porque achei chato, pacas.

Mas ouvir ou falar sobre Gore Vidal me faz lembrar, sobretudo, dos grandes nomes da literatura, mais ainda do jornalismo literário que foram meus heróis na faculdade e contemporâneos dele como, Philip Roth, Gay Talese, Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote, os dois últimos, ironizado por Vidal como “meus inimigos íntimos”.

“Cada vez que um amigo faz sucesso eu morro um pouco”, costumava dizer, com a famosa perfídia que o consagrou.

O que eles tinham em comum? Ora, o fato de serem a consciência de uma América tomada de assalto, desde as suas origens, pela hipocrisia religiosa e social, arrogância patriótica e cinismo político. E olha que por duas ou mais vezes Gore Vidal descansou a caneta para se enveredar pelos caminhos da política, mas viu, pelo menos teve tempo de perceber que estar do outro lado do balcão era muito melhor e mais saboroso, sobretudo mais emocionante. “temos que parar de nos gabar que somos a maior democracia do mundo. Sequer somos democracia. Somos uma república militarizada”, debochou.

Bem, agora só me resta tomar vergonha na cara e correr atrás dos livros que ele escreveu para ler, inclusive aquele sobre um imperador romano que deixei pela metade. Sempre achei que uma das grandes virtudes do homem é saber quando errou. E quando o assunto é Gore Vidal, pode-se dizer que errei bastante.

* Este texto foi escrito ao som de: Chicago Transit Authority (Chicago – 1969)

Um comentário sobre “Gore Vidal e a América hipócrita

  1. Na época em que o GNT era um dos melhores canais do mundo(lá pelos anos 90) foi exibido naquele canal um dos mais brilhantes documentários sobre a história dos Estados Unidos, narrado e comentado por Gore Vidal. Até hoje procuro se ter o menor exito por essa obra.

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