Dr. Fantástico (1964)

Peter Sellers, impagável na pele de Dr. Fantástico e de outros dois personagens no filme

Peter Sellers, impagável na pele de Dr. Fantástico e de outros dois personagens no filme

Algumas pessoas vão ler essas primeiras linhas e vão ter um faniquito de babar na gravata. Mas é a mais pura, hedionda e crassa verdade, não acho a menor graça em Dr. Fantástico. Quer dizer, não do jeito que as pessoas acham, ou seja, venerando a ponto de classificar o filme como uma das melhores comédias de todos os tempos. Ou ainda como um dos melhores filmes de Stanley Kubrick. Para mim, nem uma coisa ou outra. Apenas mais um filme de Stanley Kubrick.

Agora tem um fator importante nesse projeto que é a audácia de falar sobre um assunto que estava em voga na época e que, quem tivesse um pouco de juízo, nem se arriscaria a falar: os conflitos da Guerra Fria entre Estados Unidos e a então extinta U.R.S.S. Como Kubrick parecia não ter juízo e nem se importar com nada ou ninguém, daí o projeto baseado no livro Red alert, de Peter George, um ex-tenente da Força Aérea Inglesa que resolveu contar suas experiências como estrategista de guerra.

Uma coisa legal em Dr. Fantástico que gosto em demasia é a fina ironia do diretor que aqui parece transbordar em cada sequência, diálogo ou gesto dos personagens. Daí o comentário da época do crítico Bosley Crowther no New York York Times. “A mais cínica e explosiva piada que jamais vi e, ao mesmo tempo, uma das mais incisivas e inteligentes sátiras já vistas nas telas sobre a coerção incompetente e insensata do militarismo”.

Dr. Fantástico 3É verdade e o filme já vale pelos três papéis do genial Peter Sellers, entre os quais o Dr. Fantástico do título em português. Na trama, um militar de alta patente vivido por Sterling Haydn resolve se apossar da base aérea e armar um ataque surpresa aos soviéticos. Pronto, está declarada a guerra nuclear entre as duas superpotências mundiais e a situação é vista pela ótica de Stanley Kubrick com uma boa dose de humor negro.

“A guerra é muito importante para ficar com os políticos”, argumenta um dos personagens.

Enquanto um grupo de aviões parte rumo ao alvo, o presidente da república dos EUA se encontra com seu Estado Maior para tratar do assunto e o filme se pendura do início ao fim, com muita ironia, humor e farpas políticas nessas duas situações. “A Força Aérea não dorme”, diz o hilário militar vivido por George C. Scott.

Inteiramente à vontade, Peter Sellers, um dos melhores comediantes de seu tempo, rouba a cena na pele de um tenente da Força Aérea inspirado no autor Peter George, no presidente dos Estados Unidos, e claro, no Dr. Fantástico, um estrategista alemão dos tempos de Hitler que ainda não perdeu a mania de saudar o Füher em público. Impagável a cena em que ele duela pela própria vida com seu braço direito mecânico.

Mas a melhor parte está nos minutos finais cheio de suspense em que o comandante da operação contra os soviéticos salta montado na bomba como se estivesse num rodeio. Era como se Kubrick dissesse que os militares que detonaram a bomba atômica em Nagasaki e Hiroshima não passassem de jecas patéticos. O que todos eles de fardas são ainda hoje, em qualquer parte do mundo.

* Este texto foi escrito ao som de: The Masterplan (Oasis – 1998)

Masterplan

O terrorista dentro de cada um de nós

Os terroristas agora estão no meio de nós

O terrorismo na América é um reflexo do culto à violência deles

O recente atentado terrorista à cidade de Boston, no último dia 15 de abril só vem mostrar que o mundo há tempos anda de pernas para o ar. Pior, que a situação para os americanos, desde o fatídico 11 de Setembro, não melhorou em nada e tudo indica que as coisas podem piorar. E ao escrever isso, só tenho a dizer uma coisa, que os Estados Unidos estão colhendo o que plantaram, ou seja, violência e discórdia.

Desde a 2ª Guerra Mundial é assim, quando duas bombas atômicas arrasaram Nagasaki e Hiroshima, numa demonstração imbecil de poderio bélico. A partir dali em diante, a América e o seu povo fanático por guerras e armas assinaram uma sentença de autodestruição suicida que se materializa em forma de vários atentados.

E confesso que não tenho comiseração com relação ao povo norte-americano não porque é uma sociedade doentia que cultua a violência. Só que os “Rambos” da vida real não resgatam soldados na selva vietnamita, nem salvam a Europa contra o Eixo do mal. Os “Rambos” da vida real agora soltam bombas covardemente no meio da multidão, machucando e matando milhares de inocentes.

Aliás, essa imagem apocalíptica já tinha sido cantada pelo Arnaldo Jabor na época do Manhattan Connection, quando ele Boston 2disse que o terrorista do futuro estaria no meio de todos, em qualquer lugar, em toda parte, sendo qualquer um e com um botão apenas mataria milhares de vidas em pleno metrô de Nova York. Tudo bem, Jabor errou a cidade e o local, mas acertou em cheio na situação.

Bom, não sei o que passava na cabeça dos irmãos Tsarnaev, talvez não muita coisa ou nada, quem sabe muita merda e não acredito que eles sejam os verdadeiros culpados desse episódio específico, mas o fato é que estamos refém do terrorista que existe dentro de cada um de nós, do terrorista que está no meio de nós que pode ser eu, você ou o vizinho do lado.

Sim, porque foi Oscar Wilde quem disse que há dentro de nós o céu e o inferno, o bem e o mal e é diante deste maniqueísmo simplista que rege o signo da vida, que nossas almas estão mergulhadas desde que nascemos. “Ou evoluímos ou desapareceremos”, disse certa vez Euclides da Cunha, autor de Os sertões. E quer saber? Do jeito que as coisas andam, é melhor que desaparecemos mesmo.

Quando acontecem umas porcarias dessas e é o tempo todo, me lembro daquela frase que abre o filme Os 12 macacos, do Terry Gilliam, que gosto tanto: “A raça humana deveria ser extinta da face da terra”.

É isso aí!

* Este texto foi escrito ao som de: Different gear, still spending (Beady Eye – 2011)

Beady Eye