Algumas pessoas vão ler essas primeiras linhas e vão ter um faniquito de babar na gravata. Mas é a mais pura, hedionda e crassa verdade, não acho a menor graça em Dr. Fantástico. Quer dizer, não do jeito que as pessoas acham, ou seja, venerando a ponto de classificar o filme como uma das melhores comédias de todos os tempos. Ou ainda como um dos melhores filmes de Stanley Kubrick. Para mim, nem uma coisa ou outra. Apenas mais um filme de Stanley Kubrick.
Agora tem um fator importante nesse projeto que é a audácia de falar sobre um assunto que estava em voga na época e que, quem tivesse um pouco de juízo, nem se arriscaria a falar: os conflitos da Guerra Fria entre Estados Unidos e a então extinta U.R.S.S. Como Kubrick parecia não ter juízo e nem se importar com nada ou ninguém, daí o projeto baseado no livro Red alert, de Peter George, um ex-tenente da Força Aérea Inglesa que resolveu contar suas experiências como estrategista de guerra.
Uma coisa legal em Dr. Fantástico que gosto em demasia é a fina ironia do diretor que aqui parece transbordar em cada sequência, diálogo ou gesto dos personagens. Daí o comentário da época do crítico Bosley Crowther no New York York Times. “A mais cínica e explosiva piada que jamais vi e, ao mesmo tempo, uma das mais incisivas e inteligentes sátiras já vistas nas telas sobre a coerção incompetente e insensata do militarismo”.
É verdade e o filme já vale pelos três papéis do genial Peter Sellers, entre os quais o Dr. Fantástico do título em português. Na trama, um militar de alta patente vivido por Sterling Haydn resolve se apossar da base aérea e armar um ataque surpresa aos soviéticos. Pronto, está declarada a guerra nuclear entre as duas superpotências mundiais e a situação é vista pela ótica de Stanley Kubrick com uma boa dose de humor negro.
“A guerra é muito importante para ficar com os políticos”, argumenta um dos personagens.
Enquanto um grupo de aviões parte rumo ao alvo, o presidente da república dos EUA se encontra com seu Estado Maior para tratar do assunto e o filme se pendura do início ao fim, com muita ironia, humor e farpas políticas nessas duas situações. “A Força Aérea não dorme”, diz o hilário militar vivido por George C. Scott.
Inteiramente à vontade, Peter Sellers, um dos melhores comediantes de seu tempo, rouba a cena na pele de um tenente da Força Aérea inspirado no autor Peter George, no presidente dos Estados Unidos, e claro, no Dr. Fantástico, um estrategista alemão dos tempos de Hitler que ainda não perdeu a mania de saudar o Füher em público. Impagável a cena em que ele duela pela própria vida com seu braço direito mecânico.
Mas a melhor parte está nos minutos finais cheio de suspense em que o comandante da operação contra os soviéticos salta montado na bomba como se estivesse num rodeio. Era como se Kubrick dissesse que os militares que detonaram a bomba atômica em Nagasaki e Hiroshima não passassem de jecas patéticos. O que todos eles de fardas são ainda hoje, em qualquer parte do mundo.
* Este texto foi escrito ao som de: The Masterplan (Oasis – 1998)