Lolita (1962)

Mas me diga, e quem não se apaixonaria por um suculento pedaço de carne como esse

Mas me diga, e quem não se apaixonaria por um suculento pedaço de carne como esse

Baseado no aclamado romance homônimo de Vladimir Nabokov, Lolita talvez seja o filme menos prestigiado de Stanley Kubrick aos olhos do grande público. O que é uma pena porque esse talvez seja um dos trabalhos mais interessantes do cineasta. E o fato dessa obra de impacto não ser tão benquista assim das pessoas se deva à temática ruidosa do filme que, já nos dias de hoje já causa espanto, o que dizer daqueles distantes anos 60.

Pois bem, é a história de Humbert Humbert (James Manson), um professor acadêmico inglês que acaba de receber convite para lecionar em New Hampshire, nos Estados Unidos, e por causa disso está à procura de um quarto para morar enquanto durar essa temporada letiva. O espaço ideal está na casa da viúva Charlotte (Shelley Winters, em atuação impecável), mas ele está em dúvida quanto ao lugar, vacila na hora de dar uma resposta, até esbarrar no jardim da casa com a deliciosa ninfeta Lolita (Sue Lyon), filha da dona da casa. A cena do encontro do dois é um dos momentos mais marcantes da fita.

Daí para frente o que se vê é um jogo de conquistas veladas entre Charlotte e o charmoso inquilino, do inquilino com tendências pedófilas pela jovem Lolita que, sádica alimenta a paixão platônica de seu admirador. “Ela tem uma infantilidade terna e sonhadora com uma vulgaridade velada”, escreve ele em seu diário.

O desfecho é exemplar. Mas ao longo da história somos surpreendidos com alguns pontos de Lolita 2vistas ousados do diretor, que parece se divertir dando alfinetadas dignas na preconceituosa sociedade de seu tempo com situações desconcertantes, por isso o clima liberal, de “mente aberta” do filme, que foi bem nas bilheterias, mas não agradou nem um pouco a crítica da época. Mas Stanley Kubrick não estava nem aí para isso. Sorte nossa.

Lolita é um grande filme incompreendido. Poucos críticos o defenderam no momento de sua estreia e, entretanto, quanto mais o assisto, mas se confirma que se trata de uma virada decisiva para Kubrick, de uma das chaves de seu universo interior”, escreve o crítico francês Michel Ciment em, Conversas com Kubrick, lançado recentemente pela Cosac & Naify.

Para quem viu o filme e mesmo para quem não viu, nem precisa dizer que um dos destaques de Lolita está nas atuações soberbas do elenco principal, destaque para a dobradinha formidável dos atores James Manson e o versátil astro Peter Sellers, aqui na pele do mau-caráter roteirista de televisão Clare Quilty. Já Sue Lyon está uma uva no papel que parece ter sido escrito para ela por Nabokov. E se você se lembrar dela em filmes como o também provocador A noite do Iguana, de John Huston, verá que Kubrick estava mais do que certo em sua escolha. Aliás, John Huston só a chamou por causa de sua atuação em Lolita. Isso é fato.

A forma despojada e até atrevida com que Kubrick expõe a questão da pedofilia velada de Humbert e, mais tarde, de sua obsessão sexual por essa ninfeta maliciosa, é ao mesmo tempo sóbria e constrangedora. Deleite-se com a hilária cena do cinema, aquela do filme de terror, ou ainda na lasciva sequência do bambolê.

No mais, acho que vou tirar da minha estante mágica aquele livro de Lolita que roubei do meu amigo Pedrão.

* Este texto foi escrito ao som de: Lust for life (Iggy Pop – 1977)

Lust for life - Iggy Pop