Copacabana, o reduto do samba-canção

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O mestre Cartola e Dona Zica na cerca da casa em que ele escreveu os maiores samba-canções da música brasileiras

Um belo dia, Dona Zica estava aguando as roseiras que ela e o marido Cartola cuidavam com muito zelo, quando, surpresa com a quantidade de flores brotadas, perguntou: “Mas como tem dado essa roseira, né, o que é que houve?”. Ao que ele respondeu, quase desatento: “Sei lá, elas não falam”. Nascia assim, de forma despretensiosa e frugal, um dos clássicos da nossa música, “As Rosas Não Falam”, a canção mais regravada do mestre sambista.

Eis só uma das milhares de histórias saborosas contadas pelo jornalista e estudioso da música brasileira, Zuza Homem de Mello, no livro, Copacabana – A Trajetória do Samba-Canção (1929 -1958), um calhamaço de mais de 500 páginas que se propõe a contar a história desse grande gênero musical que deu origem a vários sucessos e vozes inesquecíveis, entre eles, Cartola.

Foram mais de 10 anos de pesquisa que renderam um livro ilustrado por fotos maravilhosas de uma época nostálgica até para um sujeito como eu que não a viveu. O legal do livro é ler cada capítulo, cada página, ao som das canções citadas, que traz por trás, sempre, relatos de autores calejados por esse bichinho infernal chamado “amor”. Foi um dos melhores títulos que li nos últimos meses.

É o período das boates enfumaçadas em cujo clima de paixão e desejo se mistura ao tilintar dos copos das bebidas e vozes de intérpretes como Linda Batista, Dick Farney, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Elizeth Cardoso, Dolores Duran e a gata rebelde, Maysa. Com o fim dos cassinos em 1946, Copacabana, a princesinha do mar, se tornaria o cenário ideal para o pecado, a fuga dos amantes, o desterro dos amores não compreendidos.

Algumas passagens do livro são marcantes, como o surgimento do “Clube dos Cafajestes” ou ainda o relato minucioso, quase antropológico, no início da obra, de um Rio de Janeiro mítico e cheio de glamour dos anos 50 que não existe mais, infelizmente, mas que insiste em perdurar em nossas mentes e corações por meio das maiores vozes que este país já teve. Copacabana é um livro para se ler ouvindo ou ouvir lendo, cheio de encanto na alma.

* Este texto foi escrito ao som de: Cartola (1976)

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