As revistas especializadas só falavam neles, sobretudo as publicações underground. E a curiosidade dentro de mim só ia aumentando a cada dia, dia e noite, mas as informações eram desencontradas, longínquas e, sobretudo, excitantes. Pop rock melódico na linha do Teenage Fanclub? Letras dylanescas? E quantos integrantes tinha a banda? E aquela mulher amamentando um bicho de pelúcia na capa? Quem era esse tal de Stuart Murdoch? E que raio de nome de banda era esse? Afinal, era uma dupla no estilo Simon & Garfunkel?
Enfim, muitas perguntas e uma ansiedade gritante fazendo minha adrenalina subir a mil, com aquela coceira gostosa dentro da minha cabeça por causa da novidade até que finalmente consegui comprar, nem sei onde, o primeiro disco do Belle & Sebastian e tomei um susto. Sim, porque coloquei em xeque minha sexualidade só por causa da frase: “My brother had confessed that he was gay”. Meu deus, eu era gay?!
Ainda lembro como se fosse hoje o dia em que escutei o álbum Tigermilk pela primeira vez na sala da casa de um primo, numa penumbra total, e o Stuart Murdoch me dizendo que o irmão dele tinha confessado que era gay. Mas poucos minutos depois vi que tudo não passava de uma grande bobagem e me apaixonei à primeira vista, digo, primeira sonoridade à banda escocesa que nasceu, veja só, de um projeto acadêmico.
O que me encanta no Belle & Sebastian – que tirou esse nome de um livro infantil bastante popular na França – é o minimalismo com que as letras e o som da banda expõem temas universais. Até parece que o Stuart Murdoch – um ex-dublê de boxeador que é o letrista da banda – está escrevendo sobre os teus problemas e angústias, suas tristezas e anseios. Reconfortando seu desespero diante de frases e melodias certeiras.
É mais ou menos o que o Renato Russo e o Cazuza faziam. Vocês se lembram de sentir essa sensação? E ainda tinham aquelas capas estilosas monocromáticas, na linha dos Smiths, uma influência direta do B & S.
“Agora eu me sinto perigoso, dar voltas de ônibus pela cidade por hobby é triste”, dizia Murdoch na faixa de abertura de Tigermilk, a pseudo soft, The state I am in, aquela que me fez pensar que estava ouvindo um conto gay ou algo do tipo. Que coisa mais meiga e ao mesmo tempo melancólica de dizer…
Bom, pop rock delicado com textura medieval, talvez barroca, sei lá, alguma coisa do tipo e ainda por cima com letras sofisticadas, confessionais, enfim, os meninos e meninas do Belle & Sebastian tinham algo o que me dizer, algo o que eu queria ouvir, tanto do ponto de vista sensorial e emotivo, quanto racional. De uma maneira ou de outra estava tudo lá: The state I am in, I don’ t Love anyone, Judy and the dreams of horses, Seymour Stein, The Rollercoaster ride, The wrong girl, Fiction, I know where the summer goes e tantas outras.
Mas a canção que me deixava de joelhos, com vontade de chorar e um aperto no peito era a baladona sentimental, This is Just a modern rock song, com seu arranjo delicado de metais e cordas que vai num crescendo hipnótico, quase catártico até fazer você romper com algo dentro de si.
“Eu não estou tão triste quanto Dostoiévski/Eu não sou tão inteligente quanto Mark Twain”, dizia um dos versos do sofisticado e culto Murdoch.
Que bom que algumas canções pops tristes modernas sejam apenas um lamento triste.
* Este texto foi escrito ao som de: This is Just a modern rock song (Belle & Sebastian – 1998)